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terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Apenas uma vez: A política simples e vencedora do ‘no single piece of information should be entered twice’

A Estônia é sociedade mais digital do planeta e líder mundial em tecnologia.

Poderia dizer só isso e deixar vocês duvidarem e descobrirem sozinhos essa história, mas vou avançar um pouquinho...

Foi o primeiro país a declarar o acesso à Internet como um direito humano (2000) e também o primeiro permitir a votação on-line nas eleições gerais (2007). Tem um serviço de banda larga dos mais velozes do mundo e é recordista no número de startups por habitante. Tem armazenado em nuvem todos os registros médicos de seus cidadãos e todas as escolas estão conectadas desde 1998. Sua rede digital extrapola suas fronteiras geográficas: qualquer pessoa do mundo pode se habilitar para ter a cidadania digital e com isso abrir uma empresa no país (em alguns minutos...) e usar o seu sistema financeiro . Isso não é tudo (para saber mais acesse os links no final nesse texto), mas já deixaria qualquer outro país desenvolvido comendo poeira na estrada da digitalização, não é?

Essa história tem um detalhe que não pode deixar de ser dito: tudo isso aconteceu depois de 1991, após o colapso da União Soviética, bloco comunista do qual a Estônia fazia parte. Não é preciso muito esforço para imaginar como o país deveria estar defasado e carente no momento em que se viu livre das amarras impostas pela URSS. Tudo é história e está devidamente registrado. Então, como eles conseguiram essa virada em pouco mais de duas décadas?

Claro que a organização da economia foi fundamental para permitir um planejamento de crescimento e atrair investimentos e isso começou imediatamente (1992). Não é objeto de análise desse texto, mas faço questão de dizer que a Estônia é um dos países mais liberais do mundo!

A revolução digital começou em 1997, quando o país decidiu buscar soluções para a ampliação e uso de documentos digitais, mas sóe podemos hoje falar que a Estônia é uma plataforma digital completa, isso se deve a Taavi Kotka, CIO (Chief Information Officer) do país desde 2013 (foto).


Taavi Kotka, CIO da Estônia desde 2013
Conhecido como um ‘homem com uma visão de futuro’, Kotka vislumbrou a necessidade e a oportunidade de transformar a Estônia numa sociedade digital. Para enfrentar o desafio concebeu e implantou a política do ‘apenas uma vez’ (once only policy), que preconiza que nenhuma informação deverá ser registrada mais de uma vez (‘no single piece of information should be entered twice’).


A política é extremamente elegante porque em apenas uma frase feita de palavras simples, alcança tudo o que se espera de uma política de inovação para o século XXI, que deve ter a digitalização como alicerce principal. Vejamos por exemplo:

Sobre o custo da coleta dos dados: uma vez coletados, dados digitais podem participar de infinitos processos produtivos de conhecimento. É um recurso que não se desgasta com o uso. Porque não reduzir o esforço da coleta? Se uma informação já foi coletada, basta.

Open data: se apenas um coleta e todos devem usar, então... os dados devem ser compartilhados! Simples assim.

Governança dos dados: se todos vão usar os mesmos dados, eles precisam ter boa estrutura, integridade, disponibilidade, acessibilidade e um fácil gerenciamento. A identidade única e digital do cidadão da Estônia é a chave de busca para diversos dados de interesse da sociedade como dados de saúde, de educação, propriedade etc.

Política de uso de dados: esse recurso pertence a todos e para isso o país adotou uma política rigorosa de responsabilidade e exige de todos o seu reconhecimento e cumprimento.
Outras implicações e consequências benéficas devem estar associadas à only once policy. O que foi citado são apenas alguns exemplos.

Podemos dizer que Kotka colocou a Estônia nas nuvens! 

Até pouco tempo, sempre que me perguntavam que política pública seria fundamental na área de... (pode completar com o que você quiser), eu respondia sem pensar: uma política que incentive o livre compartilhamento de dados, ou simplesmente a cultura open data. Isso foi até o final do ano passado (2017). Hoje eu quero a política ‘no single piece of information should be entered twice’.


Para ler mais sobre a Estônia:

Estônia, uma democracia digital (em português) https://medium.com/app-civico/est%C3%B4nia-uma-democracia-digital-9e4ccc5279f6,





terça-feira, 8 de agosto de 2017

Abre-te, Sésamo! A inauguração do “universo paralelo da paz” no Oriente Médio

Bahrein, Chipre, Egito, Iran, Israel, Jordânia, Paquistão, Turquia e Autoridade Palestina (ANP). Começando assim, parece que estamos diante de mais um texto sobre desentendimento, intolerância e guerras. Mas não, esse texto não é sobre guerras.

Não me lembro mais como tomei conhecimento da existência do SESAME, nem que motivações e conexões mentais me fizeram seguir dezenas de hyperlinks na Internet para descobrir essa história incrível que compartilho aqui com vocês.

SESAME é um acrônimo para Synchrotron-light for Experimental Science and Applications in the Middle East. Não se assuste... não pare de ler ainda porque SESAME também é a palavra mágica que abre a caverna onde está escondido um inestimável tesouro! Um sincrotron é uma espécie acelerador de partículas, semelhante ao Grande Colisor de Hádrons do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear). No CERN os cientistas fazem colidir partículas para estudar a origem das suas massas. Um sincrotron, simplesmente faz as partículas ‘dançarem’ para produzir uma luz de grande intensidade e alto brilho: a ‘luz sincrotron’. Essa luz é perfeita para a observação de objetos nanométricos, aqueles que possuem dimensões na escala atômica ou molecular, que não podem ser vistos nem mesmo com um microscópio (proteínas e vírus, por exemplo). Deve ser uma coisa incrível, né? Digo ‘deve ser’ porque, como muitos dos que estão lendo isso, meu arcabouço de conhecimento não é suficiente para apreender a importância do SESAME para a física quântica. Mas isso não tem a menor importância porque esse texto também não é sobre o avanço da ciência e esse não é o maior tesouro que o SESAME nos oferece.

O SESAME nasceu de uma ideia muito louca. A ideia era promover a cooperação entre árabes e israelenses para a ciência. Os loucos eram o israelense Eliezer Rabinovici e o italiano Sergio Fubini, ambos cientistas do CERN. Rabinovici, sabia da importância da cooperação para a ciência e se inquietava em ver que a falta de diálogo dos países do Oriente Médio (provocado por divergências religiosas, econômicas e políticas), reduzia a quase zero a sinergia potencial entre os cientistas da região. Fubini coordenava um grupo de cooperação científica para países do Oriente Médio. Em 1994 eles decidiram que estava na hora de tirar do papel o que eles chamavam de ‘universo paralelo da paz’: colocar inimigos históricos num mesmo laboratório, pesquisando e produzindo ciência.

Os dois se auto empossaram membros de um comitê científico que teve como primeira ação organizar um encontro de cientistas em Dahab, Egito, próximo ao Deserto do Sinai. O encontro discutiu missão e possibilidades, mas o plano de ação que faltava só surgiu em 1997, quando um grupo de cientistas alemães resolveu doar para o SESAME um acelerador antigo, oriundo da recém extinta Alemanha Oriental, que estava prestes a ser substituído por um mais moderno. Alguns membros do SESAME relutaram em aceitar alegando que um equipamento tão antigo não atrairia cientistas. Rabinovici foi decisivo mais uma vez, dizendo coisas mais ou menos assim: 'Claro que temos que aceitar! Precisamos rápido de algo concreto porque não vamos querer construir uma coalizão de Árabes e Israelenses em torno do ar!' Em 1999 o empreendimento recebeu o nome de SESAME, sugestão de um membro da Autoridade Palestina. Em 2000 o grupo decidiu instalar o equipamento na Jordânia: “Tinha que ser na Jordânia. Era o único lugar onde todos poderiam ir”, disse Rabinovici referindo-se ao fato de que era o único país com relações diplomáticas com todos os outros.

O SESAME ainda precisaria da autorização da UNESCO para construir um laboratório para aceleração de partículas, dados os riscos que experimentos dessa natureza oferecem. Imagine convencer a UNESCO de que cientistas do Bahrein, Chipre, Egito, Iran, Israel, Jordânia, Paquistão, Turquia e Autoridade Palestina (ANP) acelerariam partículas em paz... A aprovação da UNESCO veio em 2002. Seguiu-se a construção da planta, a montagem do equipamento e o primeiro teste veio em 2009.

Toda a história do SESAME (que inclui até sobreviver ao terremoto de 6.9 graus de magnitude que ocorreu no Egito no dia do encontro em Dahab) vale a pena ser lida, mas eu ficarei por aqui. Dou agora um grande salto para o dia 16 de maio de 2017, quando o laboratório foi totalmente concluído e aberto para os cientistas dos países membros. Infelizmente, uma notícia muito pouco divulgada. Mais triste ainda é que a pouca divulgação que recebeu fique ofuscada por tanta notícia da chamada agenda negativa, seja no mundo como um todo, seja no local onde vivemos e atuamos.

Esse não é um texto sobre guerras nem sobre avanço da ciência, é sobre a resiliência humana diante do negativo e da destruição. O ser humano está conectado pela necessidade e paixão de produzir conhecimento. O SESAME levou 20 anos para acontecer, mas aconteceu porque a rede do conhecimento desconhece os obstáculos impostos por outras redes. As religiões pregam dogmas incompatíveis que geram intolerância e a rede de conhecimento os ignora. As nações riscam no chão as fronteiras que dizem “daqui não passarás”, mas a rede de conhecimento as ignora. O mercado produtivo coloca as informações em cofres gerando alto custo de transação, mas a rede de conhecimento os ignora. As instituições de ensino pregam o erro como algo a ser evitado, colocando os humanos em desconfortáveis zonas de conforto, mas isso a rede de conhecimento também ignora.

O mundo hoje é muito melhor do já foi em qualquer tempo e até muito melhor do que imaginamos que seja. Isso se deve apenas à resiliência da rede de conhecimento que constrói e direciona valor para onde é necessário.

Vida longa ao SESAME que nesse texto foi apenas o pretexto para falar do conhecimento como o 'universo paralelo da paz'.

Eliezer Rabinovici e Sergio Fubini, larguem as partículas subatômicas dançando por aí e saiam pelo mundo contando essa história.