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terça-feira, 8 de agosto de 2017

Abre-te, Sésamo! A inauguração do “universo paralelo da paz” no Oriente Médio

Bahrein, Chipre, Egito, Iran, Israel, Jordânia, Paquistão, Turquia e Autoridade Palestina (ANP). Começando assim, parece que estamos diante de mais um texto sobre desentendimento, intolerância e guerras. Mas não, esse texto não é sobre guerras.

Não me lembro mais como tomei conhecimento da existência do SESAME, nem que motivações e conexões mentais me fizeram seguir dezenas de hyperlinks na Internet para descobrir essa história incrível que compartilho aqui com vocês.

SESAME é um acrônimo para Synchrotron-light for Experimental Science and Applications in the Middle East. Não se assuste... não pare de ler ainda porque SESAME também é a palavra mágica que abre a caverna onde está escondido um inestimável tesouro! Um sincrotron é uma espécie acelerador de partículas, semelhante ao Grande Colisor de Hádrons do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear). No CERN os cientistas fazem colidir partículas para estudar a origem das suas massas. Um sincrotron, simplesmente faz as partículas ‘dançarem’ para produzir uma luz de grande intensidade e alto brilho: a ‘luz sincrotron’. Essa luz é perfeita para a observação de objetos nanométricos, aqueles que possuem dimensões na escala atômica ou molecular, que não podem ser vistos nem mesmo com um microscópio (proteínas e vírus, por exemplo). Deve ser uma coisa incrível, né? Digo ‘deve ser’ porque, como muitos dos que estão lendo isso, meu arcabouço de conhecimento não é suficiente para apreender a importância do SESAME para a física quântica. Mas isso não tem a menor importância porque esse texto também não é sobre o avanço da ciência e esse não é o maior tesouro que o SESAME nos oferece.

O SESAME nasceu de uma ideia muito louca. A ideia era promover a cooperação entre árabes e israelenses para a ciência. Os loucos eram o israelense Eliezer Rabinovici e o italiano Sergio Fubini, ambos cientistas do CERN. Rabinovici, sabia da importância da cooperação para a ciência e se inquietava em ver que a falta de diálogo dos países do Oriente Médio (provocado por divergências religiosas, econômicas e políticas), reduzia a quase zero a sinergia potencial entre os cientistas da região. Fubini coordenava um grupo de cooperação científica para países do Oriente Médio. Em 1994 eles decidiram que estava na hora de tirar do papel o que eles chamavam de ‘universo paralelo da paz’: colocar inimigos históricos num mesmo laboratório, pesquisando e produzindo ciência.

Os dois se auto empossaram membros de um comitê científico que teve como primeira ação organizar um encontro de cientistas em Dahab, Egito, próximo ao Deserto do Sinai. O encontro discutiu missão e possibilidades, mas o plano de ação que faltava só surgiu em 1997, quando um grupo de cientistas alemães resolveu doar para o SESAME um acelerador antigo, oriundo da recém extinta Alemanha Oriental, que estava prestes a ser substituído por um mais moderno. Alguns membros do SESAME relutaram em aceitar alegando que um equipamento tão antigo não atrairia cientistas. Rabinovici foi decisivo mais uma vez, dizendo coisas mais ou menos assim: 'Claro que temos que aceitar! Precisamos rápido de algo concreto porque não vamos querer construir uma coalizão de Árabes e Israelenses em torno do ar!' Em 1999 o empreendimento recebeu o nome de SESAME, sugestão de um membro da Autoridade Palestina. Em 2000 o grupo decidiu instalar o equipamento na Jordânia: “Tinha que ser na Jordânia. Era o único lugar onde todos poderiam ir”, disse Rabinovici referindo-se ao fato de que era o único país com relações diplomáticas com todos os outros.

O SESAME ainda precisaria da autorização da UNESCO para construir um laboratório para aceleração de partículas, dados os riscos que experimentos dessa natureza oferecem. Imagine convencer a UNESCO de que cientistas do Bahrein, Chipre, Egito, Iran, Israel, Jordânia, Paquistão, Turquia e Autoridade Palestina (ANP) acelerariam partículas em paz... A aprovação da UNESCO veio em 2002. Seguiu-se a construção da planta, a montagem do equipamento e o primeiro teste veio em 2009.

Toda a história do SESAME (que inclui até sobreviver ao terremoto de 6.9 graus de magnitude que ocorreu no Egito no dia do encontro em Dahab) vale a pena ser lida, mas eu ficarei por aqui. Dou agora um grande salto para o dia 16 de maio de 2017, quando o laboratório foi totalmente concluído e aberto para os cientistas dos países membros. Infelizmente, uma notícia muito pouco divulgada. Mais triste ainda é que a pouca divulgação que recebeu fique ofuscada por tanta notícia da chamada agenda negativa, seja no mundo como um todo, seja no local onde vivemos e atuamos.

Esse não é um texto sobre guerras nem sobre avanço da ciência, é sobre a resiliência humana diante do negativo e da destruição. O ser humano está conectado pela necessidade e paixão de produzir conhecimento. O SESAME levou 20 anos para acontecer, mas aconteceu porque a rede do conhecimento desconhece os obstáculos impostos por outras redes. As religiões pregam dogmas incompatíveis que geram intolerância e a rede de conhecimento os ignora. As nações riscam no chão as fronteiras que dizem “daqui não passarás”, mas a rede de conhecimento as ignora. O mercado produtivo coloca as informações em cofres gerando alto custo de transação, mas a rede de conhecimento os ignora. As instituições de ensino pregam o erro como algo a ser evitado, colocando os humanos em desconfortáveis zonas de conforto, mas isso a rede de conhecimento também ignora.

O mundo hoje é muito melhor do já foi em qualquer tempo e até muito melhor do que imaginamos que seja. Isso se deve apenas à resiliência da rede de conhecimento que constrói e direciona valor para onde é necessário.

Vida longa ao SESAME que nesse texto foi apenas o pretexto para falar do conhecimento como o 'universo paralelo da paz'.

Eliezer Rabinovici e Sergio Fubini, larguem as partículas subatômicas dançando por aí e saiam pelo mundo contando essa história.



quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Mind the gap


MIND THE GAP

Quem já andou no metrô de Londres sabe que mind the gap é uma recomendação quase obsessiva da TFL (Transport for London, empresa que faz a gestão da mobilidade da cidade). A expressão que significa “cuidado com o vão” alerta para o risco do passageiro de introduzir o pé no vão que existe entre a plataforma e o vagão do trem. O que está implícito na mensagem é que o gap existe e que o risco é grande: se você não sabe que ele está lá, ou negligencia sua existência, vai acabar metendo o pé naquele vazio e as consequências podem ser desde um simples contratempo, até um transtorno maior com perdas inestimáveis ou irreversíveis. 

Opa! Tá aí uma boa metáfora para quem quer embarcar na era do big data.

Vamos por partes. Primeiro a plataforma. Depois o trem. Finalmente o gap

O QUE É BIG DATA?
Big Data é a maior plataforma de geração de conhecimento e inovação do século XXI. Dados digitais são a matéria prima para informações sobre as pessoas e sobre como as pessoas se relacionam entre si, com a natureza e com os objetos que estão à sua volta.
QUAL O VALOR PRÁTICO DISSO?
Esses dados nos ajudam a ver, caracterizar e compreender coisas que antes nem sabíamos que existiam. Também nos ajudam a descobrir causas e consequências de determinados problemas. Possibilitam ainda prever determinados acontecimentos a partir de padrões ou correlações entre fenômenos. O impacto de tudo isso é um empoderamento da nossa capacidade de fazer melhores escolhas. Onde quer que haja um ser humano tomando uma decisão, desde a mais simples até a mais complexa, lá estarão os dados digitais facilitando esse processo. Um bom processo de tomada de decisão é o trem onde todos querem embarcar.
O QUE NOS IMPEDE DE IR MAIS ADIANTE?
O gap. O vão. O vazio.

A visão que se tem sobre qualquer coisa pode ser uma barreira ou uma alavanca para nossos objetivos. A maioria das pessoas, especialistas ou novatos no tema, têm a seguinte visão sobre big data:
É assunto para a tecnologia da informação; é restrito a quem possui como ativo grande quantidade de dados; exige um alto investimento; é algo que ameaça a privacidade das pessoas.
Com essa visão só nos resta esperar um ambiente restritivo ao uso de dados, onde cabe um papel ativo aos afortunados, passivo aos não favorecidos e reativo às vítimas que tentam proteger suas informações pessoais.
MIND THE GAP
Big Data é assunto para de tomador de decisão. Qualquer pessoa que precise fazer escolhas deve se interessar pelo tema, porque dados digitais ajudam a reduzir o erro nas escolhas e, numa época de grande propósitos e recursos limitados, a tolerância por erros será cada vez menor.
Não queremos errar, por exemplo, quando procuramos o melhor preço para o produto que queremos comprar, escolhemos o melhor trajeto para um deslocamento ou o melhor tratamento para uma doença. As empresas também não querem errar quando configuram um produto ou serviço, ou quando se comunicam com seu publico alvo. Gestores públicos têm cada vez menos margem de manobra para lidar com o caos urbano e os problemas para a saúde e segurança públicas.
Essa visão de que big data está relacionado com ação e sucesso, muda radicalmente o nosso posicionamento em relação ao assunto. Primeiro, porque transforma todos em atores e beneficiários do ambiente digital. Segundo, porque transforma dados digitais em ativo pelo seu uso e não pela sua posse.
A partir daí, criaremos um ambiente para trabalhar dados digitais como algo que diz respeito ao conhecimento e não apenas à tecnologia. Isso tem grandes implicações nas estratégias que estabeleceremos nas empresas e nos órgãos públicos, nos novos modelos de negócio e na regulamentação do ambiente digital.
Certamente os sensores, a comunicação móvel, a analítica digital e a computação em nuvem são os elementos que constituem o fenômeno big data. No entanto, nenhum valor será tirado daí se não compreendermos e soubermos utilizar bem outros conceitos que ultrapassam a fronteira tecnológica como:  complexidade, dinâmica social, engenharia da sociedade, smart cities, open data, colaboração, crowdsourcing, idlesourcing, gamificação, pensamento exponencial, design thinking, data driven decision, rastros digitais, ética, ativos e outputs intangíveis, entre tantos outros.

O gap existe e está lá ameaçando qualquer um que venha desavisado e ansioso para embarcar no trem. Enfiar o pé no gap significa fazer altos investimentos em tecnologia para analítica, sem ter ajustado a estratégia, processos e competências para uma cultura data driven. Mind the gap

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Open data não é bandeira


Open data não é bandeira.

No final da década de 80, uso intensivo dos computadores gerou uma preocupação muito natural entre os filósofos: que impacto isso teria no conhecimento? 

O filósofo francês Jean-François Lyotard, por exemplo, afirmou que o conhecimento seria armazenado em bancos de dados, permitindo seu deslocamento, concentração e comercialização, o que ele chamou de mercantilização do conhecimento.

Lyotard percebeu muito bem que informações digitalizadas viajam facilmente e fez um prognóstico: a mobilidade dos dados digitais resultaria num movimento de concentração do conhecimento.

Por causa de temores como esse muita gente aderiu ao movimento Open Data por idealismo, fazendo o conceito parecer rebelde, quase subversivo, mas tão bem intencionado que justifica inclusive a ação de hackers. De tudo o que tenho lido sobre o assunto, posso afirmar que open data é muito mais um caminho natural do que uma bandeira.

De 80 para cá, dados e informações digitais têm aumentado em progressão geométrica e a internet ampliou consideravelmente as possibilidade de deslocamento das informações.

Se todas as condições existentes na época de Lyotard continuam existindo e até se potencializaram, por que a sua previsão (concentração e mercantilização do conhecimento) não se concretiza?

O primeiro motivo é simples e independe de contexto. Conhecimento é o ato de atribuir ideia ou noção às informações. Ou seja, é um ato humano e contextualizado. Experiência única, baseada em outras experiências únicas que não podem ser armazenadas. Por mais detalhada que seja a descrição de um determinado conhecimento, ela será sempre, no máximo, um conjunto de informações.

Como tenho que admitir que pode ter havido um erro de interpretação ou de tradução das palavras de Lyotard, passemos para o motivo mais importante.

O deslocamento das informações digitais, não obedeceu ao movimento concentrador previsto. Ao contrário, a internet propiciou, além de facilidade e rapidez, uma desconcentração da informação que, guardadas as proporções, só tem precedente com a invenção da prensa no século XV.

Juntando tudo isso, temos um contexto extremamente inóspito para concentração de conhecimento:

informações digitais viajam facilmente + internet espalha informação (e não concentra) + conhecimento é gerado atribuindo ideias a dados e informações (e não os possuindo)

Por que toda facilidade que a internet propicia na mobilidade das informações favorece a desconcentração da informação e não a concentração? Existem mecanismos restritivos altamente confiáveis para negar acesso às informações na rede, o que favorece a concentração. Por que eles não são sempre utilizados?

Porque, se o conhecimento é gerado a partir de dados, então quanto maior a quantidade, diversidade e veracidade dos dados existentes, maiores as chances de inovação. Como é impossível que um único agente de pesquisa gere sozinho uma base de dados com essa qualidade, a noção da necessidade dos dados not invented here torna-se óbvia. 

Isso não é novidade da era digital muito menos da era Big Data.  A comunidade científica sempre trabalhou no modelo de compartilhamento de dados porque gerar conhecimento a partir de dados é o core das suas instituições. Todo o foco é na busca de soluções, então todo o processo se ajustou para esse fim.

Além disso, todo cientista sabe que a capacidade de atribuir ideias aos dados é humana e contextualizada (por isso não tem medo de perder poder compartilhando) e que todo conhecimento é gerado em cima de uma base de conhecimento anterior (então, não importa de onde vem, quanto maior a base existente, melhor).

Se você pensava que o movimento Open Data é recente vai se surpreender ao saber que o conceito já fazia parte das normas Mertonianas da ciência moderna definidas em 1942 e foi utilizado formalmente pela primeira vez na década de 50, num projeto internacional sobre geofísica. 

Por extensão do raciocínio, não é difícil entender que foi na esfera cientifica que surgiram os primeiros insights sobre Big Data. Com uma visão open a visão do Big Data é mais intuitiva e possível.

Nesse modelo a inovação se descentraliza, transcendendo limites geográficos e de expertise. Já é possível visualizar uma queda das barreiras que asseguravam a primazia de certos países em algum campo específico do conhecimento e também a perda de exclusividade de algumas profissões em suas respectivas áreas de atuação.

Exemplos disso são as soluções extremamente inovadoras em serviços bancários em países da África e a recente premiação como cidade mais inovadora, concedida à Medelín na Colômbia pelas soluções efetivas para os problemas de mobilidade urbana (2 fotos ao lado). É importante notar que esses países nunca foram referencia de conhecimento nos serviços citados.

Na extrapolação das competências profissionais, uma visita ao site da organização XPrize mostrará pessoas atuando bem longe das suas competências profissionais, ajudando a resolver problemas crônicos de saúde, alimentação, poluição, educação, energia entre outros.


Podemos citar ainda o movimento Citizen Science. Plataformas na internet compartilham dados da comunidade cientifica com o cidadão comum de qualquer formação, visando uma maior geração de conhecimento. A ideia é que quanto mais gente olhando os dados, e quanto mais diferentes forem esses olhares, maiores as chances de visualização de padrões e correlações. Se você quiser saber mais sobre isso, visite Citizen Science (que estudou o fenômeno crowdsourcing na ciência), Cell Slider (que busca a cura do câncer) e Zooniverse (que agrupa diversas iniciativas do tipo).

Todos os exemplos citados são de organizações sem fins lucrativos (pesquisa, ONGs e governos). 

Como as empresas com fins lucrativos estão se posicionando? 

Em sua maioria, grandes empresas têm aderido parcialmente à ideia do Big Data, utilizando apenas a grande quantidade de dados transacionais que possuem. Aos poucos estão descobrindo que perdem muito em qualidade preditiva se não adicionam dados externos.

Apesar de existirem algumas iniciativas nesse sentido, o que ainda está totalmente fora de cogitação é o compartilhamento de dados próprios, os chamados dados transacionais clássicos. É pouco provável que fornecedores, compradores e concorrentes queiram compartilhar livremente esses dados.

Claro que o capital ambiental de uma empresa competitiva é bem diferente do de instituições sem fins lucrativos, no entanto, partindo do princípio de que conhecimento e inovação ocorrem por atribuição de ideias e não por algoritmos, talvez um business open data não seja tão desastroso assim.

Mas se você quer fazer as contas, veja isso: dados transacionais restritos provocam assimetria de informação que explica boa parte de um dos custos mais curiosos e intrigantes da Teoria das Agencias: o custo de transação. 

Como esse texto já está bem grande, deixemos as contas pra semana que vem.