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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Vamos ter que desapegar do controle editorial


O assunto da vez é a proliferação das notícias falsas nas redes sociais, seus efeitos negativos e como combatê-las. O problema é sério, cabem muitas discussões para diagnosticá-lo assim como podem existir muitas ideias para contorná-lo. No entanto, acredito que uma coisa precisa ficar de fora dessa discussão: o controle editorial das redes sociais.

Discordo de Bart Cammaerts (professor de mídia e comunicação na London School of Economics) que recentemente declarou que "Facebook e Twitter têm responsabilidades editoriais" (veja a matéria completa aqui). Não, não têm! O equívoco é comum e deriva do fato de se olhar para as redes sociais com o paradigma das mídias de massa. Redes sociais são outra dimensão de interação das pessoas com os acontecimentos e precisam de uma abordagem diferente da que existia para as mídias "de um para muitos".

Para entender melhor, vejamos um exemplo equivalente, que aconteceu há muitos séculos e para o qual já conhecemos os desdobramentos e o desfecho: Até o século XV poucas pessoas tinham acesso a textos escritos. Também poucos sabiam ler. A Bíblia, por exemplo, era lida por membros do clero que interpretavam e transmitiam a mensagem para outros. Após a invenção da prensa (em meados do século XV) e a massificação da alfabetização (meados do século XVIII), as pessoas passaram a ter contato direto com o texto escrito e a leitura e interpretação da Bíblia foi desintermediada. Deve ter sido um desespero abrir mão desse controle! Devem ter aparecido milhares de pessoas defendendo a ideia de que isso era ruim e maléfico à sociedade. O resto da história é conhecida. Não conheço uma só pessoa que defenda o analfabetismo ou a restrição de acesso a textos escritos, como forma de dirigir a sociedade para um destino melhor.

Estamos passando por um desafio semelhante. A internet favorece o descontrole da produção e distribuição da notícia e isso eventualmente pode gerar os efeitos que estamos vendo agora, mas vamos ter que aprender a desapegar do controle editorial. Qualquer ação nesse sentido é uma ameaça à liberdade de expressão que seria algo muito mais maléfico para a sociedade do que a publicação de informações falsas. Acreditamos e compartilhamos notícias falsas pelas redes sociais porque durante séculos fomos acostumados a consumir, sem nenhum distanciamento crítico, toda informação que nos chegava sobre os acontecimentos no mundo. Precisamos de um tempo para aprender a nos relacionar com as notícias que passaram a chegar por outras vias. Precisamos desenvolver competências e habilidades para identificar e combater notícias falsas e isso não pode ser feito de outra maneira que não seja usando a mesma topologia da rede que as criam e distribuem (descentralização, autonomia e autoridade nas pontas, redistribuição de contra-argumento). Por que deixaremos o inimigo com as melhores armas e nos contentaremos com armas menos eficazes? Seria uma guerra perdida.

A médio prazo, a sociedade vai ganhar com isso. Controle editorial de redes sociais digitais é um erro, uma falsa proteção aos valores liberais e democráticos, uma solução que só faz sentido quando se desconhece completamente a essência da internet e o papel das suas ferramentas.

terça-feira, 1 de julho de 2014

O Facebook pisou na bola?

O Facebook pisou na bola?

Algumas pessoas me perguntaram o que eu penso sobre a divulgação da experiência que o Facebook fez recentemente para entender como as emoções dos seus usuários variam de acordo com as notícias que lêem. Vamos por partes:

1. A quem pertencem os dados gerados pelo uso da internet?

Ao sujeito do fato gerador. Nesse caso, cada um de nós.

2. Quem pode usar esses dados?

A regra e clara: além do proprietário, quem cuida da governança (captura, codificação, armazenagem, cópia, segurança etc) pode usar os dados para melhorar seus produtos ou desenvolver novos, desde que não signifique uma ameaça ao anonimato das pessoas. Na prática apenas as empresas que fazem a governança usam os dados porque só elas têm a capacidade analítica (humana, técnica e tecnológica) para fazê-lo (Isso está com os dias contados. Em breve cada um de nós terá essa capacidade). Em resumo, o Facebook pode usar os dados, sim!

3. O provedor da plataforma digital pode usar seus serviços para fazer experiências?

Isso é que foi novo para os usuários... É compreensível a indignação dos usuários, assim como penso que seria legítima uma retaliação dos usuários, mas... o Facebook não fez nada errado. Ele NÃO manipulou as informações, NÃO manipulou você. Manipulou os feeds e isso diz respeito à gestão do site. O que o Facebook fez pode ser considerado no máximo amoral. A brecha está na definição do serviço que a empresa se propôs a prestar. Vá lá, leia e se surpreenda. O que esperamos do Facebook não está escrito em lugar nenhum. A nossa indignação é porque inferimos coisas sobre o serviço que não nos foram garantidas.

O Facebook é uma praça pública. Mas eles não prometeram dar os recados dos seus amigos, ser imparciais na priorização do conteúdo, distribuir os seus panfletos e suas ideias para todos que frequentam a praça... Pois é. Entra e sai quem quer. Fala-se o que quer. A praça é pública. Mas a gestão, os interesses e os lucros são privados.

4. A solução?

Como trata-se de um problema complexo, não existe solução, mas podemos gerenciá-lo. Algumas sugestões: Se isso é tão devastador para você, não participe, ninguém é obrigado; Lute por uma filosofia Open Data; Seja doador de dados; Prefira plataformas e softwares com códigos abertos, onde o desenvolvimento e a gestão têm mais chances de atender à uma expectativa pública; Acima de tudo: mantenha sempre uma postura crítica! A comunicação é o link que sustenta o sistema social, portanto, qualquer serviço que minimamente toque nesse assunto tem um poder incrível de controle, interferência e direção. Para o bem e para o mal!

Comentários, argumentos, críticas, complementos, correções etc, são muito bem vindos.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Follow us! Monitorar a internet ameaça ou fortalece a democracia?

Follow us!
Monitorar a internet ameaça ou fortalece a democracia?


Na ultima publicação que fiz (leia aqui), deixei a frase final para servir de gancho para um novo post que pretendia escrever. Não precisava. Assim que publiquei o texto, vi no Facebook o link para uma nota no site do Jornal Estadão:


O texto que eu pretendia escrever era sobre os indicadores de sucesso de um modelo preditivo. A ideia central é que a avaliação de um modelo preditivo é feita pelas ações que se tomam a partir do conhecimento que ele gerou.

Digamos que um modelo preditivo indique que algo não desejado vai acontecer. A partir daí ações são tomadas e evitam o acontecimento. O modelo não comprovou sua predição. Então o modelo não foi bem sucedido, certo? Errado. 

O objetivo de um modelo preditivo, diferente do que o nome pode sugerir, não é adivinhar o futuro. É desencadear ações. Então é através do sucesso delas que o modelo deve ser avaliado.

O fenômeno não desejado que não ocorreu chama-se não evento e  tem um valor importante e difícil de ser avaliado.

Volto a falar sobre esse assunto em outro post. Quero falar sobre a notícia do monitoramento da internet pela Abin e para isso as noções acima já são suficientes.

A nota citada no jornal diz que a Abin “avalia que as tradicionais pastas do governo que tratavam de articulação com a sociedade civil perderam a interlocução com as lideranças sociais”

Ela tem razão. As novas lideranças sociais são todos os cidadãos brasileiros que estão de alguma forma conectados à rede opinando, criticando, dando notícias que a imprensa tradicional não quer ou não tem capacidade para cobrir, cooperando, fazendo o país andar para um lado que as tradicionais pastas do governo não conseguem captar.

Se o governo (não a Abin) estivesse monitorando devidamente as redes teria antecipado as insatisfações populares? Sim. Teria evitado as manifestações? Sim. Isso é Big Brother, censura, invasão de privacidade, autoritarismo ou algo do gênero? Não.

Permitam-me dizer que vejo o monitoramento das redes sociais por uma agência de inteligência (não a Abin), como o suprassumo da democracia.

Nas redes sociais, cada cidadão se manifesta individualmente, livremente e espontaneamente. O Twitter é uma ferramenta especialmente importante porque quem utiliza está disposto a ser lido por qualquer um, mas qualquer outra interface que uma pessoa faz na rede deixa importantes rastros da dinâmica de uma população.

Se o governo (não a Abin) estivesse monitorando DEVIDAMENTE as redes, teria um modelo preditivo sobre a sociedade que adiministra. Teria percebido há muito tempo que a população não estava tolerando os desvios de dinheiro, as mordomias dos políticos, os financiamentos de campanha, os fisiologismos, a falta de investimento em saúde, educação e infraestrutura e outras demandas que surgiram nos cartazes dos protestos, afinal, “não é por 20 centavos”.

Se o governo (não a Abin) tivesse feito DEVIDAMENTE um modelo preditivo a partir do monitoramento que fizesse das redes, teria um bom plano de ação. Já teria feito a reforma fiscal e política. Já teria investido em educação e saúde. Já teria uma política de intolerância à corrupção e não lhe passaria pela cabeça algo parecido com a PEC 37.

Se o plano de ação acima tivesse sido ativado, o governo (não a Abin) teria transformado as manifestações dos últimos dias em um não evento. O modelo não confirmaria sua predição e teria sido um sucesso.

Monitorar a rede, ao contrário do que muitos pensam, pode ser a solução para o nosso falido modelo de democracia.

O modelo democrático representativo já foi a solução perfeita quando a população cresceu a ponto de não haver mais condições de ouvir a todos individualmente. Hoje ele precisa ser repensado porque, com a internet, cada um de nós pode representar a si mesmo.

Por último quero explicar porque insisti tanto em dizer que monitoramento da internet pelo governo não é tarefa da Abin.

A Abin é uma agência de estado e não de governo e, até onde sei, tem o objetivo de identificar ameaças ao estado de direito e à soberania nacional. Portanto, os objetivos dela monitorando uma rede podem até ser legítimos, mas não são os mesmos objetivos de um governo.

Por último: esse texto é sobre Big Data e não sobre política.