Na ultima publicação que fiz (leia aqui), deixei a frase final para servir de gancho para um novo post que pretendia escrever. Não
precisava. Assim que publiquei o texto, vi no Facebook o link para uma nota no site do Jornal Estadão:
O texto que eu pretendia escrever era sobre os
indicadores de sucesso de um modelo preditivo. A ideia central é que a
avaliação de um modelo preditivo é feita pelas ações que se tomam a partir do
conhecimento que ele gerou.
Digamos que um modelo preditivo indique que algo não
desejado vai acontecer. A partir daí ações são tomadas e evitam o acontecimento.
O modelo não comprovou sua predição. Então o modelo não foi bem sucedido,
certo? Errado.
O objetivo de um modelo preditivo, diferente do que
o nome pode sugerir, não é adivinhar o futuro. É desencadear ações. Então é através
do sucesso delas que o modelo deve ser avaliado.
O fenômeno não desejado que não ocorreu chama-se não evento e tem um valor importante e difícil de ser
avaliado.
Volto a falar sobre esse assunto em outro post. Quero falar sobre a notícia do monitoramento da internet pela
Abin e para isso as noções acima já são suficientes.
A nota citada no jornal diz que a Abin “avalia que as tradicionais pastas do governo
que tratavam de articulação com a sociedade civil perderam a interlocução com
as lideranças sociais”
Ela tem razão. As novas lideranças sociais são
todos os cidadãos brasileiros que estão de alguma forma conectados à rede opinando,
criticando, dando notícias que a imprensa tradicional não quer ou não tem capacidade
para cobrir, cooperando, fazendo o país andar para um lado que as tradicionais pastas do governo não
conseguem captar.
Se o governo (não a Abin) estivesse monitorando devidamente as redes teria antecipado as insatisfações populares? Sim. Teria evitado as manifestações? Sim. Isso é Big Brother, censura, invasão de
privacidade, autoritarismo ou algo do gênero? Não.
Permitam-me dizer que vejo o monitoramento das
redes sociais por uma agência de inteligência (não a Abin), como o suprassumo
da democracia.
Nas redes sociais, cada cidadão se manifesta
individualmente, livremente e espontaneamente. O Twitter é uma ferramenta
especialmente importante porque quem utiliza está disposto a ser lido por
qualquer um, mas qualquer outra interface que uma pessoa faz na rede deixa importantes rastros da dinâmica de uma população.
Se o governo (não a Abin) estivesse monitorando DEVIDAMENTE
as redes, teria um modelo preditivo sobre a sociedade que adiministra. Teria
percebido há muito tempo que a população não estava tolerando os desvios de
dinheiro, as mordomias dos políticos, os financiamentos de campanha, os
fisiologismos, a falta de investimento em saúde, educação e infraestrutura e
outras demandas que surgiram nos cartazes dos protestos, afinal, “não é por 20 centavos”.
Se o governo (não a Abin) tivesse feito DEVIDAMENTE
um modelo preditivo a partir do monitoramento que fizesse das redes, teria um
bom plano de ação. Já teria feito a reforma fiscal e política. Já teria
investido em educação e saúde. Já teria uma política de intolerância à corrupção
e não lhe passaria pela cabeça algo parecido com a PEC 37.
Se o plano de ação acima tivesse sido ativado, o
governo (não a Abin) teria transformado as manifestações dos últimos dias em um não evento. O modelo não confirmaria sua
predição e teria sido um sucesso.
Monitorar a rede, ao contrário do que muitos
pensam, pode ser a solução para o nosso falido modelo de democracia.
O modelo democrático representativo já foi a
solução perfeita quando a população cresceu a ponto de não haver mais condições
de ouvir a todos individualmente. Hoje ele precisa ser repensado porque, com a
internet, cada um de nós pode representar a si mesmo.
Por último quero explicar porque insisti tanto em
dizer que monitoramento da internet pelo governo não é tarefa da Abin.
A Abin é uma agência de estado e não de governo e, até onde sei, tem o objetivo de identificar ameaças ao estado de direito e à soberania nacional. Portanto, os objetivos dela monitorando uma rede podem até ser legítimos, mas não
são os mesmos objetivos de um governo.
Por último: esse texto é sobre Big Data e não sobre política.
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