
O primeiro efeito da lei foi transformar o caminho da epifania até o registro da patente em um processo de absoluto sigilo. Imagine se, depois de tanto esforço, alguém pega a minha ideia e a registra antes que eu faça? Ter a ideia roubada era a única consequência que se podia enxergar para um possível vazamento antes do devido registro. Não passava pela cabeça de nenhum inventor que a exposição do seu invento a outras pessoas podia agregar valor à ideia. Qual era a chance do sujeito que estava do meu lado ter informação, conhecimento, experiência, competência, interesse e tempo para contribuir com minha ideia genial? Zero. Quase zero. O segredo fazia sentido. Uma vez registrada a patente o inventor ficava traquilo por muitos anos para recuperar o investimento. Era uma montanha de dinheiro e a exclusividade por 20 anos fazia sentido.
Eis que
surge a internet. Disponível a todos já há 25 anos, devidamente
consolidada, acessível a quase metade da população mundial, 24 horas por dia,
na palma da nossa mão, escancara uma nova visão a partir da qual não se
admite mais determinados comportamentos. Reserva de patentes é um deles.
Recentemente
ouvi um professor de economia afirmar que a quebra das patentes das drogas de
combate a AIDS pode ter trazido benefícios de curto prazo à sociedade, mas
comprometeu o bem-estar da próxima geração. Esse é um dilema bastante estudado
em economia: agora ou depois? Consumo ou previdência? Investimento ou poupança?
O professor reconhecia o valor do maior acesso
aos remédios no presente, mas queria que os alunos vissem que isso tinha um
custo no futuro: a empresa que perdeu a patente vai parar de investir provocando
uma desaceleração na inovação nessa área. Segundo ele, em 20 anos teríamos melhores drogas contra a AIDS ou até mesmo a cura da doença, mas isso agora será menos provável
já que, sem garantia de retorno, as empresas param de investir. Em defesa do professor, o objetivo da
aula não era julgar a decisão, mas mostrar o quanto é difícil escolher entre usufruir
agora e adiar a recompensa, mas o que ele não está vendo? Que a internet mudou tudo. Algumas pessoas dizem que
ela é uma janela para o mundo. Outras preferem a metáfora das portas que nos
oferecem novas saída. Eu gosto de dizer que a internet derrubou as paredes.
Quem precisa de janelas e portas se não existem paredes?
A geração
futura terá drogas muito melhores ou até a cura para muitas doenças que hoje
são incuráveis, justamente porque houve a quebra das patentes. Sem paredes,
mais pessoas poderão contribuir com soluções. Sem paredes, os erros são
apontados mais cedo e correções de rumo são feitas antes que seja tarde demais.
É importante dizer que o sem-paredes da internet não é meia dúzia de vizinhos
espiando, com poucas chances de contribuir e muitas chances de roubar o que
está "pronto". O sem-paredes da internet são 7 bilhões de pessoas, com 7 bilhões
de diferentes visões, 7 bilhões de micro contribuições, que agem por 7 bilhões
de diferentes motivos. (a famosa sociedade dos 7 bilhões!). Já imaginou o quanto exponencial esse fenômeno pode ser?

No entanto, a pressão que realmente
fará diferença no compartilhamento de dados de clinical trials afronta o senso comum desse paradigma: a pressão vem dos acionistas da indústria farmacêutica... Como assim? Acionista não quer
lucro? Sim. O lucro só não é garantido se a patente estiver garantida? Pois
é... Não é mais bem assim... Antes de investir os acionistas agora querem ter a
certeza de que a ideia não será refutada assim que sair à luz do dia e ser exposta aos 7 bilhões de olhares.
Para entender melhor essa história, sugiro a
leitura de uma pequena matéria intitulada “Clinical trials: Failure to publish the results of all clinical trials is skewing medical science”, publicada na revista The Economist em julho de 2015.
(tradução livre: Testes clínicos: a não publicação dos resultados de todos os
ensaios clínicos está distorcendo a ciência médica). Para quem não quiser ler,
guarde apenas essa mensagem: compartilhar dados e inovar com processos abertos
é hoje a única maneira de garantir sucesso e retorno aos investimentos.
Qualquer coisa diferente disso é falta de visão que o século XXI, empoderado
pela internet, não perdoará.
Fez as
contas? A internet pode exponencializar realizações porque permite micro
ajustes em tempo real, feito por milhares ou milhões de pessoas ao mesmo tempo. Não há a
necessidade de uma única pessoa/empresa se debruçar exaustivamente sobre um
problema e encontrar sozinha a melhor solução. Assim demora mais, comete-se mais erros, perde-se mais oportunidades e tudo isso torna o processo
extremamente oneroso. Para que a internet possa transformar essa
possibilidade em realidade os dados precisam estar abertos e os acordos sociais
precisam contemplar esse novo modelo de produção de conhecimento. Lei de
patentes não garantem mais inovação, muito menos retorno sobre elas. Precisamos de um novo acordo social.
Então se
você me perguntar: o que o governo deve fazer para incentivar a inovação? Simplesmente ampliar o acesso e a qualidade da internet. Só. Uma
pequena (muito pequena) parte da sociedade já entendeu o que é preciso fazer.
Mas quando se trata de um fenômeno exponencial, 1% de conversão é 99% de
caminho andado. (Sobre isso leia Ray Kurzwel).
Olá Luciana!
ResponderExcluirUma correção: Não existe quebra de patentes. È uma expressão indevidamente usada. A lei de patentes permite Licença Compulsória, se houver um conjunto de condições para isso. Um deles é em situação de interesse público, como o único caso que aconteceu no Brasil. Foi um medicamento apenas contra Aids, Efavirenz.
Penso que ainda é cedo para afirmar que o sistema de patentes impede a inovação. Na verdade, a experiência internacional mostra que o sistema incentiva a inovação e a maneira mais democrática de uma pequena empresa ou mesmo um inventor independente fazer negócios a partir de um invento. Porém, há sim discrepâncias e injustiças quando grandes empresas claramente tem mais recursos para jogar o jogo das patentes.
Lucas Coelho
www.nextainnovation.com
Obrigada, Lucas. Só agora li esse comentário...
ExcluirMuito interessante essa questão das patentes.
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